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SÃO PAULO. Os chineses mudaram de tática para colocar seus calçados no mercado brasileiro. Depois da sobretaxa de US$ 13,85 por par (válida desde março de 2010) e do fim das licenças automáticas para sapatos vindos de países asiáticos (outubro de 2011), empresas que operam no país (muitas delas comandadas por chineses) estão trazendo o produto desmontado da China para serem montados no Brasil. Os componentes e peças chegam principalmente pelos portos de Paranaguá, no Paraná, e de Itajaí, em Santa Catarina, e de lá seguem para pequenas empresas no interior do Rio Grande do Sul onde são montados e “nacionalizados”.
A prática não é ilegal, mas está sendo usada como forma de escapar da tarifa antidumping, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), que começou a se preocupar com o problema depois que a importação de cabedal (a parte de cima dos sapatos) saltou de 3,4 milhões de pares, em 2009, para 18,2 milhões em 2010 e 16,4 milhões de pares no ano passado. Além da China, os sapatos desmontados são trazidos do Paraguai, Vietnã, Indonésia e Alemanha, o que sugere que os chineses estão fazendo a chamada triangulação entre países para ludibriar a alfândega brasileira. Só em janeiro, o número de cabedais importados está próximo a 1 milhão de pares. Outras partes, que são os solados e outros componentes, somaram mais de 193 mil quilos.
Grandes empresas serão ouvidas em audiência
A denúncia de prática de elisão feita pela Abicalçados está sendo investigada pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, desde agosto do ano passado. Amanhã, acontece a primeira audiência pública com importadores, empresas brasileiras e entidades do setor calçadista que prestarão esclarecimentos sobre a questão. Entre os convocados, estão companhias do porte da Alpargatas e os maiores fabricantes mundiais de material esportivo (Nike, Adidas, Puma, Reebook, Asics, Cambuci, New Balance e SkecchersSkechers), ligados ao Movimento para Livre Escolha (Move).
Em ofício, com data de 17 de fevereiro, o Decom convoca os envolvidos e questiona o aumento das importações de partes e componentes de calçados vindos de países sem tradição de exportação para o Brasil. Quer explicações também sobre a lógica econômica e comercial em desembarcar solas e cabedais em portos distintos do país, sendo que ambos são destinados à montagem do mesmo modelo e, normalmente, no mesmo local. É o que acontece nas importações da Fluxo Confecção, empresa com sede no bairro do Tatuapé, em São Paulo, que traz solado chinês pelo porto de Paranaguá e cabedal por Itajaí. A empresa, que tem como sócios dois chineses e usa as marcas Mooncity, Dafany, Fushida e Aclamado em seus sapatos e botas, também utiliza a Capital Trade, de Itajaí e com filiais em Paranaguá (PR) e Barueri (SP), como sua importadora de cabedal.
— Eles usam vários portos para evitar e escapar da fiscalização — diz Milton Cardoso, presidente da Abicalçados e da Vulcabrás, outra gigante do setor.
Segundo Cardoso, as importações de partes e componentes da China não é mais exclusividade de pequenos importadores comandados por chineses, mas de grandes empresas nacionais que estão utilizando as mesmas práticas para concorrer com o sapato chinês mais barato.
Imposto de importação também é menor
Sem citar nomes, Cardoso afirma que essas empresas, além de burlar a sobretaxa de US$ 23,83 por par, estão pagando menos imposto de importação: nos calçados montados a tarifa é de 35%, e, nos desmontados, 18%. Pelos cálculos da Abicalçados, cerca de 24 milhões de pares de calçados ganharam o mercado brasileiro nos últimos meses.
— Além de pagar menos impostos, muitas empresas que estão montado esses sapatos nas cidades gaúchas recebem subsídios das prefeituras — aponta Cardoso.
É o caso da SS Shoes, de Candelária, no Rio Grande do Sul. Operando desde janeiro, com subsídios da prefeitura local, a empresa monta 2,3 mil botas da marca Mooncity, que são embarcadas diariamente. O caminhão descarrega a mercadoria no centro de distribuição da Fluxo Confecção em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Com 106 trabalhadores, o diretor de produção da SS Shoes, Irênio Segatto, espera aumentar o número de funcionários e o volume de produção nos próximos meses.
— Nossa expectativa é ter mais funcionários e aumentar a produção — disse ele, que confirmou que a origem dos produtos é a China.
Procurada, a Alpargatas disse, por meio de sua assessoria, que não pratica a triangulação e que todas as suas importações seguem a legislação. A empresa ressalta ainda que a decisão de usar vários portos está “associada a diversos fatores operacionais e de inteligência logística” e que jamais desembarcou cabedal por um porto e solado por outro. Já o Move, que representa os fabricantes de material esportivo, disse que as empresas estão “100% seguras” em relação a suas importações e que o governo não irá encontrar nenhuma irregularidade em suas operações de importação.
— As empresas assinaram um documento público se comprometendo com a legalidade de suas operações — disse Gumercindo Moraes Neto, diretor executivo do Move.
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